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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Adaptação

Quando você sai da sua terra natal e vai morar em outro país, tem que imbuir-se da consciência de que você é um estrangeiro. Um visitante, que senta ali no canto do sofá da sala de estar. Pede licença para usar o lavabo e não entra na cozinha. Nem se atreve a adentrar o corredor dos quartos! Você é um estranho no ninho. Em território alheio, que jogue como os locais: eles deitam as regras da partida.


Eu já vim preparada para algumas das especificidades dos espanhóis e europeus em geral. O calor humano, o contato físico, a amizade fácil, que brota sem pedir licença: estes já sabia que deixava em casa e não veria mais, junto com o meu All Star velho. Desde então, soube que a sobrevivência dependeria da repetição de um mantra: "não é pessoal, é cultural". E como um guru indiano obstinado na chegada ao nirvana, venho repetindo mentalmente estas palavras todos os dias dos meus últimos quatro meses. Quando chego a uma loja ou restaurante e me deparo com o calamitoso serviço dos espanhóis, quando alguém se irrita com meus atrasos de 15 minutos, quando me respondem de forma seca, quando não me dão bola. "Não é por mal, eles são mesmo assim."

Mas uma coisa é ir à casa de alguém comer uma pizza num sábado à noite. A outra é passar o fim de semana acampado. Você precisa ir ao banheiro e entrar nos quartos (a não ser que te tenham reservado uma deliciosa noite no le sofá de la salá). Logo também será necessário um passeio até a cozinha. Então também seus hospedeiros vão ter de te entender um pouco mais. Vão olhar mais pra você, e as impressões cordiais da noite da pizza vão devagar se esvaindo...

São quatro meses e temos ao menos mais seis pela frente. Então, Europa, acho que já é hora de você se acostumar comigo também.

Sou brasileira. E nós somos assim: de amizade e riso fácil. De toque corporal. De hipérboles, de superlativos. Transbordamos palavras de carinho uns aos outros (muitas vezes até nem tão sinceras). Mas a nossa fala é doce, é calma, é macia, suave. Apreciamos e valorizamos demais a cordialidade, a atenção. A grosseria nos ofende. As brincadeiras estúpidas também. O palavreado mal-educado ou "direto", como vocês gostam de dizer, guardem para seus compatriotas. A nós, não destilem sua mala leche: a gente não aguenta.

Estamos entendidos?


Diz um provérbio popular italiano que visita é como peixe: depois de três dias, já começa a feder. Estou tendo uma experiência incrível e quero ficar mais. Só que se começar a feder pra você, Europa, não se faça de rogada e, com a sua característica honestidade ferina, abra o jogo. Eu tenho casa, eu tenho pátria. Não me custa nada usar da serventia da casa e voltar para onde e por quem eu sempre serei recebida de braços abertos.

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